terça-feira, 25 de outubro de 2016

Chron: A Origem

Porque toda história tem um começo

Alooou, meu povo!
  Outro dia estava eu lendo posts antigos deste pequeno blog, quando me dei conta de que nunca cumpri a promessa de explicar como raios eu descobri meu Chron.
  Antes de começar, devo dizer que eu também não sei muita coisa. Como assim, Ana, você não sabe sobre sua própria doença? Assim, não sabendo. Desde o início eu fiz questão de não procurar saber sobre o assunto para não me preocupar com coisas que podem nem nunca acontecer. Eu decidi ouvir apenas o meu médico e obedecer o que quer que ele me pedisse, por mais chato que seja. Então o pouco que sei e que contarei aqui é o que de fato me aconteceu e o que meu médico me disse.
 Para quem não sabe, a Doença de Chron é uma inflamação crônica no intestino, ou seja, meus anticorpos não são exatamente minhas células mais brilhantes e atacam as células do meu intestino pensando que as pobrezinhas são intrusas. E ninguém ainda descobriu um jeito de deixar esses anticorpos menos burros.
 Apenas uma parcela privilegiada de 3% da população mundial lida com esse problema e para que ele se manifeste é preciso uma combinação rara de genética e condições ambientais que ninguém sabe exatamente qual é (Ninguém sabe muita coisa, como vocês podem notar), mas suspeita-se fortemente de que tudo seja desencadeado por algum trauma emocional. Eis o que aconteceu comigo para que tirem suas próprias conclusões.
 Eu sempre fui horrível na arte de comer. Me lembro claramente de um dia em que minha tia, muito feliz em comer seu almoço, sorriu e me disse "Não sei se a gente come para viver ou vive para comer." Eu olhava para minha colher de arroz com feijão já fria depois de 50 minutos em um prato que eu não conseguia esvaziar, com o estômago embrulhado, respondi "Eu com certeza como para viver." Ela achou um absurdo, mas era a mais pura verdade. Quase toda comida fazia meu estômago revirar, o simples cheiro de feijão ou azeite me dava ânsia e todo mundo pensava que eu era fresca. Eu pensava que eu era fresca. Cada refeição era uma longa batalha de mais de uma hora para manter alguma coisa no meu estômago. Qualquer coisa.
 Eu também era uma criança fraca, preguiçosa e anêmica, mas isso era mais do que de se esperar de uma menina chata que não come nada. Eu argumentava que apesar de demorar nas minhas refeições e de achar o gosto ruim, eu comia muito mais legumes e verduras que a maioria dos meus amigos, mas ninguém acreditava em mim. Me lembro de tomar vários suplementos de ferro que nunca melhoravam minha anemia e meu pai chegou ao ponto de bater tudo que achava na geladeira e me obrigar a tomar sucos de mais de 4 tipos de legumes, frutas e verduras misturados. "Finge que é remédio e toma o copo de uma vez." dizia ele.
 A situação só ficou preocupante quando começou a doer. Primeiro pontadas de leve na barriga que eu nem me preocupei. Depois dores parecidas com cólicas enquanto eu comia e enfim dores repentinas tão fortes que eu não conseguia me levantar quando atacavam. De início, me pareceu que elas apareciam uma vez ao mês, o que me fez pensar que tivessem alguma relação com o ciclo menstrual. Fui à ginecologista e ela me pediu que registrasse em um cartãozinho os dias com dor e os dias de menstruação. Aparentemente, não havia a mais remota relação entre as duas coisas. Por via das dúvidas, ela me pediu um ultrassom do ovário, que foi o dia que o jogo virou.
 Até hoje não sei qual acaso do destino, bênção divina ou excelência profissional iluminou a mente daquela radiologista, fato é que ao final do ultrassom, ao encontrar ovários perfeitamente normais, ela me perguntou "Mocinha, você tem diarréia?" Achei a pergunta estranha e até um pouco desagradável, mas não menti: "Ás vezes." e ela respondeu "Acho que sei o que você tem."
 E foi assim que voltei à ginecologista com um resultado de ultrassom normal com uma observação no fim: "Suspeita de Doença de Chron". A ginecologista achou bastante plausível e me encaminhou à enterologista, que por sua vez me pediu uma colonoscopia que confirmou a doença no meu íleo terminal e me transferiu para um gastroenterologista, onde frequento até hoje.
 Foi ele quem me contou essa história do trauma emocional, que ele acha que foi o estresse do vestibular, embora eu não me sentisse estressada de forma alguma (Eu tinha certeza de que não ia passar, então estava tranquila). Na época, por incrível que pareça, eu era a melhor aluna da escola e meu coordenador quase teve um piripaque quando comecei a faltar à aula e passar mal nos dias que eu ia, às vésperas do vestibular e da minha formatura. Acho que se ele tivesse predisposição genética, o Chron dele teria se manifestado muito mais que o meu.
 Como toda e qualquer doença crônica, o Chron envolve um acompanhamento periódico, vários medicamentos e exames, que vou deixar para um próximo post porque esse já está grande o bastante.